O diário de campanha do soldado Cilineu Braga Magalhães foi todo escrito em solo capãobonitense. Por tal motivo, transcreveremos aqui, algumas passagens interessantes a respeito da movimentação das tropas e a percepção deste soldado sobre o clima social na cidade.
A imagem acima é do seu diário que foi encontrado próximo a uma trincheira do Rio das Almas, após ser assassinado, quando já estava feito prisioneiro.
Sabemos que, ao desembarcar em Capão Bonito, Cilineu ficou alojado no Grupo Escolar por alguns dias, até ser enviado para o front de Guapiara, retornando à cidade e posteriormente para as trincheiras do Rio das Almas.
22 de julho de 1932: “Temos forças em Ribeira e Ourinhos para fechar a retaguarda dos paranaenses; em Avaré, Apiaí, Capão Bonito, para atacar pelos flancos e em Itapetininga para a vanguarda”
26 de Julho: “(…)Pela manhã ainda tivemos no campo de futebol, exercícios de ordem unida, apresentar armas, como nos preparássemos para uma parada. (…) Às 3 horas ouve-se um energético toque de reunir. Fervem boatos. Estávamos sendo atacados em Buri, iríamos seguir imediatamente com outros.
A verdade entretendo era a seguinte. Uma Companhia teria de guarnecer as trincheiras que defendem a cidade.
(…) Aqui chegou hoje um Capitão da Brigada Paranaense que aderiu ao movimento constitucionalista.
Ao entrar em um quintal, encontrei limas docíssimas. Lembrei-me de mamãe. Rancho péssimo, carne, carne cozida, feijão cru, umas papas de quirera.
28 de julho: “(…) A má água e as laranjas já passadas têm produzido desarranjos intestinais a vários colegas. Uma patrulha composta de Renato, Epaminondas, Aurélio e eu fomos encarregados de guardar a estrada de Apiaí. O sítio é mais os menos agradável, preferível ao pátio do grupo onde dormimos ontem. A nossa guarda vai das 6 a meia noite, mas deliberamos passar a noite tôda aí. A estrada é movimentada, cavaleiros, caminhões, peões, passam a cada instante. Tem-se que pedir salvo conduto; é bem aborrecido. Epaminondas foi levar à cadeia um caminhão que não tinha ordem de passar.
Perto da meia noite começou a chover. Refugiamo-nos numa casinha abandonada. Aí nos preparamos para dormir. Encontramos uma lamparina e vela. Não estamos mal acomodados, mas longe de estar descangados.
A casa está abandonada, entretanto foi visto na vizinhança um individuo excessivamente magro, assustador, cuja tosse cavernosa ouve-se a cada instante. vizinhança muitos leprosos.
2 de Agosto: Logo depois das 9 horas, recebemos ordens de nos prepararmos para guarnecer as trincheiras em torno da cidade. Eu e Renato havíamos feito guarda ao hospital de sangue, durante toda noite.
(…)Qual não foi a minha satisfação em encontrar, na volta, no alojamento, adivinhem quem? Papai. Havia vindo de São Paulo, na véspera, dormira em Itapetininga e finalmente aqui estava. Veio com o senhor J. Pires, Erasmo Toledo, Juvenal Piza e Theodoro
Piza.
(…) Há um movimento de tropas, de caminhões etc. Acaba de chegar a luzida cavalaria de Rio Pardo.
Às 2 horas Papai almoçou no hotel e eu aproveitei para um 2.º almoço. Cerca de 5 horas papai na companhia dos demais seguiu para São Paulo, dando-me antes um lindo distintivo da revolução Paulista. Levou grande número de cartas de meus colegas, muitas lembranças e muitas saudades.
Às 10 horas recebemos ordem de nos alojar. Partiríamos às 4 horas da manhã seguinte para Guapiara”
3 de Agosto de 1932: A viagem ia correndo bem apesar da estrada estar bastante molhada, quando a uns 20 quilômetros de Guapiara começou a esfriar e a cair uma chuva fria, pesada, desagradável. (…)
Chegamos a Guapiara, todas as casas estão cheias de soldados, enquanto cai interruptamente a chuva. A vila tem péssimos e pouquíssimos prédios. Ficamos em casa do prefeito enquanto não recebíamos ordem para ir para a linha de frente. Aqui encontramos o que foi de grande alegria para nós, o senhor
Isaac. O senhor Isaac com sua grande bondade, arranjou-nos a “boia” dos oficiais, pois a nossa sairia muito tarde. Novamente ouço, depois de tantos dias, o roncar do canhão.
(…) Mais tarde a chuva cessou e pude
observar o lugar em que nos achamos. Plena serra de Paranapiacaba.
A própria cidade acha-se localizada em um morro. De todos os lados picos abruptos cobertos de nevoeiro cujas encostas cobertas de verde vegetação rasteira, assemelham-se aos bem tratados tabuleiros dos jardins da capital.
Os tortuosos caminhos, as toscas pontes, as caprichosas, isoladas copas de redondas árvores, plantadas pela natureza, quase simetricamente, lembram os campos de “golf”, com os quais os nossos amigos ingleses e americanos gastam
tanto dinheiro.
As casinhas penduradas nos alcantis, cercadas de laranjais carregados de frutos, o gado pastando, os alegres regatos que correm sobre pedras em vales profundos, as cascatinhas, dão à vista a impressão de um lindo presépio de natal.
O ar que se respira é leve, entretanto o sol aparece por poucos instantes; logo depois a chuva volta a nos aborrecer.
07 de agosto: Cilineu estava em Guapiara neste dia: Constava mesmo que iriamos retirar visto estarem escassas as nossas
munições e estarmos com as comunicações cortadas com Capão Bonito. Mais tarde conseguiu-se comunicar com Capão Bonito: nada de anormal por lá.
(…) 9 de Agosto de 1932 – O dia correu magnificamente. Renato e eu tomamos um banho no rio; a água estava friíssima.
10 de agosto: Ao chegarmos ao alto do morro, surpreendeu-me a vista, o mais belo vale que eu já vi a relva de um verde alegre cobrindo montes, pinheiros, cambuís, formando caprichosos recantos; um lindo ribeirão corria pelo fundo, passando ao lado de casinhas abandonadas.
Este morro é muito bonito para se ver, mas para subir é horrível; paramos em baixo de uma árvore, extenuados; meio dia, continuamos, a 1 hora chegamos a Monjolada, umas cinco casas, capelinha, vários monjolos. (…)
11 de agosto de 1932: As 10:30 chegou ordem de retirada. Íamos o mais depressa possível para Apiaí-Mirim, sem passar por Guapiara, que era ponto perigoso.
Chegamos finalmente à Apiaí-Mirim as 7 e 15. Dormimos em uma péssima casa. Faz um frio horrível, estamos com pouco agasalho, cansado como estou, quase não consegui dormir.
13 de Agosto de 1932 – Às 5 horas da tarde ordem de seguir para Capão Bonito.
Não pude apreciar direito a paisagem apesar da lua, porque vinhamos
cantando; deu para ver muita serra, muitos vales, florestas cerradas. Em Capão Bonito, encontramos todos os demais rapazes do Pelotão, inclusive Fernando, Lyra,etc.
11 de setembro de 1932: “Finalmente a partida às 9 horas da noite de ontem em caminhões. Viajamos a noite e apesar das péssimas acomodações, conseguimos dormir um pouco. Passamos por Gramadinho e pela manhã chegamos a uma Capela
das almas e seguimos viagem até uma serraria.”